terça-feira, 2 de junho de 2009

O Bode negro da floresta dos mil filhos



Os portões para os Reinos das Fadas estão fechados. A humanidade virou suas costas para a mágica em favor de um novo sonho — um sonho de um mundo estéril e banal com nenhum mistério ou maravilha. Um mundo onde todas as perguntas foram respondidas e todos os enigmas do universo foram resolvidos. E ainda, na busca por essa Utopia, muito da humanidade perdeu um pouco de si mesma. Eles esqueceram como sonhar...

Deus nada mais é do quê duas crianças gordas brincando de banco imobiliário, as peças que as não interessam elas molham no leite e dão para o cachorro comer. E vejam amados leitores, como nosso Criador é piedoso. Vou expressar numa tempestade de latidos cansativa de ler.

Em algum lugar...realmente não importa onde...há um navio, trilhando seu caminho através do mar gelado.

Seu nome não é importante...poderia ser Lusitânia, General Belgrand ou Titanic...mas algo soa familiar nisso.

O fato, talvez esse não seja só um navio...talvez seja uma amálgama de muitos navios.

Todos com uma coisa em comum:

Problemas.

Se você fechar os olhos e imaginar, pode ouvir os gritos dos homens queimando sem chance de escapar. Suas entranhas sentem o estrondo jorrando água superaquecida.

Se você escutar com atenção, pode ouvir o que eles ouviram... a tensão da música através da água enquanto a banda toca.

É um navio mercante transportando certo tipo de terror através de milhões de noites sem sono.

É um barco de pesca descendo a toda em algum lugar de águas desconhecidas.

É um passageiro em fila gritando em protesto, rebites espalhados como milho. Aço se curvando encoberto pela fumaça, uma chaminé nas ondas.

É um eco final de um grito enquanto outra alma perdida sucumbe à força do oceano.

Olhe na mais profunda escuridão da sua consciência... bem atrás dos sonhos de angustia e medos irracionais...e você vai encontrar esse navio.

Seu vapor avança por um mar de sonhos febris, em direção à morte inevitável. Ele representa a nós, e tudo o que temos.

Cada navio que já afundou, ou irá afundar.

Não importa, tudo aconteceu a muito, muito tempo atrás.

E vai acontecer de novo.

Uma forte marca sobre a estrutura de nossas almas que levam a uma pergunta óbvia, “onde você estava quando aconteceu?”

Daqui a dez, quinze, vinte anos e ainda vamos estremecer com a memória. Vamos acordar de um sono intermitente, engasgados com a lembrança.

Mas hoje, tudo o que podemos fazer é assistir em silêncio como na primeira vez em que vimos este símbolo, como um rugido retumbante, Ícaro cai, cai...e cai.

Como merda de passarinho no seu ombro.

Por toda parte...tudo ao mesmo tempo. Não importa quando.

Em algum lugar na Polônia vinte e duas horas atrás, uma mina desmorona. Dezessete são enterrados vivos.

O mesmo desastre com a mina reverbera de volta no tempo, ressurgindo como carne queimada e vigas estraçalhadas uns vinte anos antes em Bellysburgo. Matando oitenta e sete.

Para ecoar num terremoto ainda por vir, em algum lugar no sudeste da Califórnia.

O mesmo som aterrador retumba através das eras.

Há muito tempo a terra cospe fogo de repente. Uma cidade de milhões não está preparada para a destruição vulcânica que está chegando.

Abaixo, faces testemunham o reflexo das emoções de toda humanidade.

Acima, uma imagem grotesca marca a mente coletiva da humanidade. Uma familiar luz brilha no céu.

Em algum lugar, a mina desmorona.

Quanto a mim, de repente percebo como tudo está conectado.

Acontece numa minúscula fração de segundo, e por toda a história.

Em algum lugar... realmente não importa onde...passageiros aparentes estão ocupando uma aeronave que pode nem sequer existir.

É um negócio bem comum abordo desta amálgama de todos os aviões que já desceram por essas pistas de decolagem, ou irão.

Não há nada de errado obviamente no lado de dentro... apenas um vago e indefinido mal-estar. O rotineiro ar de trepidação que você encontra abordo de um grande pedaço de metal que não deveria estar no céu.

Mas este aqui está tomando a direção errada, seguindo para uma colisão numa auto-estrada de simultaneidade.

Agora, levando um passageiro extra e inesperado.

Apesar de tudo, nada disso está realmente acontecendo.

Talvez seja só um vôo imaginário, ou talvez uma premonição.

Tem um barulho crescendo, em algum lugar no compartimento de carga, da pra ouvir.

É um zumbido, igual ao de uma bomba prestes a explodir, mas se você ouvir com atenção, tem algo diferente.

Um milhão de vozes conectadas através do espaço-tempo.

O som de alguém se afogando.

Que porra essa lata de sardinha ta fazendo no ar?

Essa bosta é um vôo para não-fumantes.

Foda-se, afinal, que diferença faz?

Um bebê começa a chorar desesperadamente, sua mãe começa a chorar desesperadamente. O executivo gordo começa a chorar desesperadamente. O homem que está indo ver o casamento de seu melhor amigo começa a chorar desesperadamente.

O tempo parece hesitar por um instante. O som de um piloto limpando a garganta é o som de uma mina desmoronando.

Agora, todo mundo sabe com absoluta certeza que alguma coisa está terrivelmente errada. A horrível proporção continua até ser vista.

“Senhoras e senhores passageiros”. O pronunciamento vai começar...

“Atenção por favor, certifiquem-se que suas bandejas estão travadas e que suas poltronas estão em posição vertical, vamos todos morrer agora.”

É a explosão obrigatória lá em baixo, no compartimento de carga. Um dano a meia-nau.

É cada desastre, interligado através do tempo. Se prestar atenção, você consegue ouvir todos.

Uma conexão é feita através do espaço-tempo. Vítimas do passado, presente e futuro são postas juntas numa experiência compartilhada, singular para sua situação.

Cada um deles sabe muito bem morrer.

Posso estar lá embaixo deitado na minha cama, mas consigo sentir o que eles sentem.

É um rugido no vento. Impotência absoluta.

É uma raiva. É uma fumaça se elevando na cabine, obscurecendo tudo.

É uma idéia ridícula: “talvez eu possa encontrar a saída, saltar e sobreviver?”

É uma oração...

Sem ninguém pra responder.

É um grito de “não é justo!” de olhos fechados.

Nada novo, de qualquer forma.

Nada mudou.

Tudo está diferente.

3 comentários:

Sara disse...

Carai Yargo, arrepiou. Foda!! Tenho nem o que comentar.

Anônimo disse...

esperar muitos meses por essa volta valeu a pena.
li. reli. suspirei. respirei fundo. me arrepiei na hora do "todos sabem morrer".
quase me assustei o tempo todo. quase perdi meus olhos nas letras. quase quase.

mas o final previsivel, é ainda melhor.

perfeito. perfeito. perfeito. perFEITO!
não tem o que comentar. o jogo de palavras. a escolha de cada palavra foi minunciosa. tudo combina perfeitamente.
é a melhor coisa que já li de você.
e arrisco até de todos os blogs que acompanho.

vc ficaria rico escrevendo querido.
me convide para uma vódeca e eu te elogio mais.

um abracinho

Anônimo disse...

uma curiosidade:

de onde você tirou isso tudo de você?